Hell is Us traz os anos 90 aos dias atuais – Review revisado

Hell is Us traz os anos 90 aos dias atuais – Review revisado

11 minutos 01/09/2025

Hell is Us chamou bastante atenção em sua revelação. Desenvolvido pelo estúdio francês Rogue Factor, o título apresentou uma experiência focada em explorar sem a presença de mapa e guia, algo bastante incomum nos jogos atuais. A ideia por trás do estúdio era transmitir a sensação de satisfação dos jogos da década de 90, onde o jogador era o dono de sua própria jornada, cuja descoberta dependia exclusivamente dele.

Com lançamento previsto para 4 de setembro de 2025 nas plataformas PS5, Xbox Series e PC, o Combo Infinito teve a oportunidade de jogar o título antecipadamente em sua versão de PC.

Diante de uma proposta tão ousada, meu único receio era como Hell is Us iria balancear esse desafio de descobrir onde se deve ir sem se tornar injusto e frustrante para os jogadores atuais. Para minha felicidade, o título equilibrou bem todo o seu desafio com um combate inspirado em souls-like. Mas calma, Hell is Us não é um Souls. Mais do que isso, Hell is Us é uma das grandes surpresas de 2025 e me fez voltar ao passado, onde jogar era um exercício de memorização e raciocínio, onde meu caderno se tornava um quadro branco pronto para ser preenchido com anotações, códigos e desenhos de insígnias.

A seguir, confira como foi minha experiência com o game e se ele é tudo isso mesmo.

A satisfação da descoberta

Decidi iniciar com um ponto que será bastante divisivo entre os jogadores. O conceito por trás de Hell is Us é ousado, pois tentar ir na contramão do que a indústria de games hoje estabeleceu como padrão de sucesso é um risco. Kojima, com a franquia Death Stranding, mostrou isso. E com Hell is Us não será diferente.Para muitos, a ideia de não oferecer mapas ou guias em um jogo baseado em exploração vai ferir o ego de muitos jogos modernos, mas pode ser um frescor para os jogadores da velha guarda. Como quem viveu essa época em que jogos de franquias como Resident Evil, Silent Hill e Alone in the Dark, por exemplo, despertavam o raciocínio e a memorização — e como recompensa, a satisfação de descobrir e avançar um pouco mais no jogo, Hell is Us executa bem seu papel e honra esse conceito de design da velha escola.

Em termos comparativos, Hell is Us oferece uma liberdade de exploração vista em Elden Ring e The Legend of Zelda: Breath of the Wild, porém em um cenário semiaberto e não conectado. Aqui, não há como distinguir se onde você está indo é uma missão principal ou eventos secundários. Sim, o jogo oferece ao jogador momentos secundários, além da progressão principal. E o mais interessante disso é que você descerá por conta própria e não com um ícone indicando que logo à frente há um NPC te esperando para desbloquear uma missão secundária.

Puzzles, mistérios e missões

Não só isso, mas enquanto você explora Hadea e suas localidades, você constantemente vai se deparar com puzzles, segredos, mistérios e missões de boa ação — essas que consistem nas missões secundárias. Além disso, há tarefas para você fazer, como fechar os ciclos temporais, que estão relacionados a eventos trágicos que aconteceram em Hadea, e você deve encerrá-los. Tudo isso estará à sua disposição enquanto você explora e tenta avançar no jogo.

Hell is Us foi muito feliz em criar toda essa estrutura misteriosa com conteúdos de excelente qualidade. Cada um dos puzzles, segredos e os mistérios envoltos no cenário onde o jogo se situa. Nada é preguiçoso ou óbvio. A intenção, de fato, foi despertar no jogador o senso de atenção ao local, aos símbolos, às escrituras, aos textos e a tudo que você coleta dentro do jogo. Afinal, jogar videogame nunca foi uma atividade involuntária onde você só aperta botões. Videogame é sobre agir voluntariamente, estrategicamente e com raciocínio. E Hell is Us me fez sentir isso novamente depois de muitos anos.

Ademais, não posso deixar de mencionar os eventos secundários que envolvem NPCs. Essas missões consistem em entregar itens específicos para certos NPCs espalhados por todas as localidades pertencentes a Hadea. Esses NPCs possuem histórias tão profundas que nos ajudam a entender seus dramas. Cada um possui uma história diferente e marcante.

Enfim, descobrir todos esses mistérios por conta própria é o que há de mais potente em Hell is Us.

O inferno somos nós

Enquanto a exploração é a espinha dorsal de toda a experiência de Hell is Us, sua ambientação é a medula espinhal que será responsável por te fazer sentir o que esse mundo é. Hadea passa por uma guerra civil dilacerante, enquanto se torna um lar com a presença de criaturas com um design bastante peculiar: os Hollow Walkers. E a construção deste mundo devastado é feita da forma mais crua possível. Não há esperança em Hadea.

Em cada local que você explora, há os efeitos que essa guerra civil causou nas pessoas. Corpos no chão, pendurados em árvores… e para quem sobreviveu, só restou a dor da perda. Não há filtro aqui. A realidade que Hell is Us quis nos transmitir é que nós, seres humanos, somos o inferno — nós criamos o inferno no mundo com a dor e o mal que vêm de nós mesmos, ao invés do inferno ser aquele lugar onde iremos um dia através de nossas atitudes ruins.

Diversos locais para explorar

Hell is Us

Longe de ser um mundo aberto, Hell is Us possui um mapa com diversos locais que serão desbloqueados conforme avançamos no jogo. Cada um desses locais tem uma atmosfera sombria e vazia. E não é à toa que o design dos inimigos traz essa ideia de vazio. Mesmo assim, há beleza nessa realidade tão cruel.

A ideia de destruição, mas com uma fagulha de esperança, envolve a distribuição dos locais presentes no jogo. Um bom paralelo é o vilarejo de Jova, um local devastado por uma seita inimiga e que deixou muitos mortos, como o Lago Cynon, onde há uma bela vista com um vasto campo de flores. A ausência de HUD ajuda na imersão desta ambientação tão marcante, seja pelo seu mundo misterioso, seja pelos seus eventos trágicos.

Ademais, Hadea é uma mistura da década de 90, com seus equipamentos e veículos específicos deste período, com o passado — através de locais repletos de estruturas arcaicas, onde estarão grande parte dos segredos do jogo e dos puzzles que o jogador estará resolvendo.

Som e gráficos

Destaque para o design de som deste jogo, que ajuda na sensação de horror em certos locais dos cenários. O som criado para alertar que há inimigos no local é um tipo de ruído bem aterrorizante e entrega essa ideia falsa de horror que o jogo simula. Mesmo não se intitulando como survival horror, há elementos aqui de Resident Evil no que tange à exploração, coleta de itens e animações na hora dos puzzles.

Toda essa ambientação marcante de Hadea foi construída na UE5, uma engine bastante controversa. Contudo, com Hell is Us, o motor gráfico conseguiu se sair muito bem. Minha experiência aconteceu em um PC com uma RTX 4070 Super rodando em resolução 2K (2560 x 1440) a 60fps, em uma predefinição gráfica no “Ultra”. Durante a jogatina, não presenciei bugs e nem quedas severas de fps.

No geral, o visual de Hell is Us é bem realista e detalhado. O visual dos NPCs durante os diálogos — que lembram o estilo dos jogos da Bethesda, com a câmera se aproximando do rosto dos personagens — evidencia esse belo trabalho nas feições.

Inovador, mas…

Hell is Us não é só exploração; a outra metade do jogo está baseada no combate. Com inspirações nos combates do tipo Souls, o título faz uso de barra de vida e de stamina, além de certas mecânicas que já vimos em títulos do gênero. Adotando ataques leves e pesados, a grande inovação deste combate está no fato de que, quando o jogador sofre dano, não apenas a barra de vida diminui, mas a de stamina (vigor) também.

Logo, essa punição traz um nível maior de desafio ao combate. Todavia, há uma solução para tal punição. Toda vez que você desferir golpes nos inimigos, poderá recuperar sua vida (e automaticamente a barra de vigor) através da absorção de uma aura branca que surge ao redor do personagem. Para ter êxito, você deve apertar o botão R1 ou RB no momento certo. A mecânica é semelhante à recuperação de Ki presente na franquia Nioh, onde você pode recuperar seu vigor enquanto ataca os inimigos. Essa dinâmica faz do combate de Hell is Us uma interação inédita, mesmo com elementos Souls.

Os inimigos que você vai enfrentar em Hell is Us são chamados de Hollow Walkers, criaturas totalmente brancas e com um buraco no meio de seus rostos. Embora triviais em seu design, sua apresentação é capaz de despertar a curiosidade sobre suas origens. Ao todo, há 5 tipos de Hollow Walkers, cada um com seus designs e ataques próprios.

Variação de inimigos

Ademais, há inimigos que conseguem invocar uma espécie de parasita, os Hazers, que possuem um formato psicodélico com diversas cores. Essas cores representam elementos narrativos que simbolizam sentimentos como Ira (vermelha), Luto (azul), Neutro (branca), Êxtase (amarela) e Loucura (verde). Embora empolgantes de início, a pouca variedade desses inimigos, com o passar das horas, se torna previsível e menos desafiadora.

Joguei na dificuldade difícil e só senti desafio de fato quando o nível dos inimigos aumentou em certos pontos. Para amenizar essa dificuldade, há itens específicos no jogo e diversas armas que podem receber upgrades, assim como itens passivos e ativos. Há também a presença de armas que já vêm imbuídas com um dos cinco elementos do jogo (Ira, Luto, Neutro, Êxtase e Loucura).

Sem muita serventia, essas armas apresentam apenas designs diferentes da versão original. Ao escolher uma arma — seja ela longa, com ataques mais pesados, ou curta, com ataques mais ágeis — você pode equipar grifos que vão configurar o combate em uma abordagem mais distante ou mais próxima, baseada em ataques constantes.

No geral, o combate de Hell is Us é cheio de boas ideias, porém ele escorrega ao oferecer pouca variedade de inimigos, o que diminui seu desafio inicial após algumas horas. Também senti falta de batalhas contra chefes dentro do jogo. Mesmo em momentos da trama que pedem um boss, o jogo não ofereceu. Pode até ser justificável pelo fato de o jogo ser mais sobre exploração do que combate. Contudo, o título deveria ter oferecido mais dele.

Uma jornada sem mapas ou guias

O jogo começa com Remi, protagonista do jogo, sendo interrogado por uma figura misteriosa. Remi se encontra sob efeito do soro da verdade, enquanto um polígrafo registra se suas falas são verdadeiras ou não, à medida que ele é questionado sobre o motivo de ter voltado para Hadea. Isso nos leva para momentos antes desse interrogatório, quando Remi chega a Hadea e inicia sua missão para descobrir o paradeiro de seus pais, dos quais foi separado por conta da guerra civil quando ainda era criança.

A partir daqui, começa a jornada sem mapas e guias em Hell is Us. Conforme o jogo entrega mais da história, nada parece tão resoluto. Tudo é ambíguo desde os primeiros minutos até os créditos finais. Enquanto a história principal envolvendo Remi, seus pais e o homem misterioso vai se desenhando, o plano secundário, envolvendo NPCs e suas histórias, se destaca narrativamente.

A Rogue Factor conseguiu criar um excelente plano de fundo, com histórias secundárias mais interessantes e comoventes do que a jornada de Remi, que não possui tanto carisma assim. Particularmente, me senti mais envolvido com os personagens presentes em todas as regiões de Hadea — os quais ajudei, entreguei itens e que participaram da jornada — do que com os personagens principais durante as cinemáticas. E ao concluir o jogo, isso se confirmou.

Conhecer personagens e fazer conexões é o caminho

Toda a filosofia que Hell is Us usa para te deixar a par do que deve ser feito é baseada em diálogos. E, para isso, o jogo dispõe de um datapad (o que chamamos hoje de tablet) para criar as conexões após você dialogar e coletar informações.

Para cada nova informação relevante, novas investigações são desbloqueadas com dados e pessoas ligadas a essa investigação, formando uma espécie de teia de aranha. Embora você precise usar sua interpretação, o jogo sempre vai te informar — seja nas cinemáticas, nos diálogos ou em documentos — pistas do que deve ser feito. Nada é injusto, o que evita o cansaço.

Em resumo, Hell is Us tem uma narrativa que se beneficia não pelo seu elenco principal e sua trama central, mas sim pelos seus personagens secundários, com seus dilemas e histórias de quebrar o coração.

Mas afinal, Hell is Us é tudo isso mesmo?

Após 46 horas, Hell is Us se mostrou ser uma experiência profunda e recheada de conteúdo que estará lhe esperando em Hadea. Sua abordagem de exploração sem mapa ou guias é seu grande trunfo, juntamente com um combate interessante, embora com alguns deslizes. Em uma indústria que, a cada dia, se apega ainda mais ao seguro, Hell is Us é um grito de resistência para abordagens mais ousadas. E coloca ousadia nisso.

Trazer, em pleno 2025, um level design da velha escola será um ponto que dividirá opiniões. Mas, se você se permitir, Hell is Us terá muito a te oferecer. Por fim, espero que a Rogue Factor continue com sua escolha de design e não se curve a críticas relacionadas à ausência de mapas e guias. O título é o que é por esse detalhe, e adicionar qualquer coisa que desfigure essa ideia seria um erro tremendo — coisa que alguns títulos Souls estão cometendo ao adicionarem modos de dificuldade.

Hell is Us foi uma grata surpresa e um dos grandes games de 2025.


Hell is Us:

Hell is Us surpreende com uma abordagem ousada de exploração sem mapas, ambientação densa e combate estratégico. Mesmo com pouca variedade de inimigos, entrega uma das experiências mais marcantes de 2025.
João Antônio

Fonte

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